Três meninas. Três histórias diferentes que se encontram. Três linhas distintas de pensamento, que se unem formando um maravilhoso mosaico de histórias, ideias e experiências. Encontram-se nas afinidades e completam-se nas diferenças, enlaçando-se nas alegrias e tropeços da vida. Escrevem aqui para celebrar, compartilhar e aprender. Para refletir sobre as experiências do passado, as inquietudes do presente e as incertezas do futuro. Nessa sucessão de encontros e desencontros, buscam entender melhor o mundo. Tudo isso regado por um pouco de geografia, política, arte e muito ziriguidum!

sexta-feira, 5 de março de 2010

As placas do Apartheid



O Museu do Apartheid em Johannesburg é parada obrigatória para qualquer um que passe por essa cidade. O museu é uma aula de história, e muito mais. É um espaço poderoso que fala com você de diversas maneiras. Te sensibiliza e emociona, te provoca solidariedade e revolta. Te desperta profundos sentimentos de indignação. Mas, ao mesmo tempo, te infla de esperança, coragem e a crença na luta pela transformação da realidade. A vida daqueles que lutaram, viveram e às vezes morreram na batalha por transformar uma realidade opressiva e segregadora é fonte de inspiração indescritível. Você termina a jornada pelo museu com uma energia transformadora pulsando dentro do peito. Conhecendo ou não a história da África do Sul, essa jornada é imperdível.
As instalações do museu são construídas para despertar todos esses sentimentos, para que você veja a expressão espacial da segregação racial, para que você sinta a opressão da prisão e de uma cela solitária, para que você se sensibilize ao ouvir as vozes de grandes homens contestando o regime e queira se juntar àquela luta como tantos outros se sensibilizaram ao ouvir aquelas palavras ao vivo em outro tempo.
Ao comprar o ingresso, você recebe um cartão de indentificação indicando "branco" ou "não-branco" e logo na porta da entrada existem placas indicando o caminho a ser seguido (imagem da segunda foto abrindo esse post). Mas a segregação racial entre "brancos" e "não-brancos" era apenas um dos aspectos do Apartheid. O Estado do Apartheid buscava onipresença e onipotência. Através de leis, atos e proclamações, buscava racializar e regular todos os aspectos da vida social e política do país. A vitória do Estado do Apartheid veio apenas em 1948, mas os primeiros atos que fundaram a base do que se seguiu depois datam de algumas décadas antes.
O Ato da Terra, de 1913, determinou a distribuição das terras no país designando apenas 8% da terra para as populações africanas e 92% para os brancos. Esse Ato foi a base da segregação territorial em áreas rurais. O Ato das Áreas Urbanas, de 1923, determinou a segregação residencial nas vilas e cidades. Depois da vitória do regime do Apartheid em 1948, uma sucessão de leis, atos e proclamações foram implementadas para regular o cotidiano da segregação nos mínimos detalhes: O Ato dos Matrimônios Mistos (1949), o Ato de Registro da População (1950), o Ato das Áreas de Grupamentos (1950), e muitos outros. A penetração do Apartheid em cada detalhe da vida cotidiana fez da África do Sul um país de placas (imagem da foto que abre esse post).
Mas se, por um lado, existem movimentos de controle e exercício de poder, por outro existem diversas formas de resistência. E a resistência permanente e cotidiana às regras do Apartheid, que se pretendiam onipresentes e onipotentes, encontrava brechas nessa teia de regulação, obrigando o Estado a formular novos Atos e muitos adendos aos Atos já existentes, conformando uma lista interminável de normas a seguir.
O Ato da Educação Bantu, por exemplo, regulava a educação oferecida aos negros. Eles seriam educados apenas até onde o necessário, ou seja, apenas para serem trabalhadores que serviriam aos brancos. Nas palavras do então Ministro para Assuntos dos Nativos, Sr. Hendrik Verwoerd: "para que ensinar matemática a uma criança Bantu se ela nunca vai usar na prática?". Assim era a perversidade do sistema implementado, buscando segregar a população e minar suas possibilidades de articulação.
Ver esse Estado com mecanismos tão explícitos de segregação embrulha o estômago, dá raiva, revolta. Mas também faz pensar nos mecanismos não tão explícitos, ou bastante implícitos, que existem. Seja através das histórias dessas lutas, ou de qualquer outra maneira, espero que a gente sempre encontre inspiração e força para lutar contra a opressão e a desigualdade em todas as suas formas.



11 comentários:

Patricia disse...

Dúvida:
O seu ingresso foi de "white" ou "non white"?

Renata disse...

Foi "non-white"...

Anônimo disse...

Lembrei de dois filmes que vi e que fazem refletir sobre o Apatheid sulafricano. Um de forma bem óbvia e outro um pouco menos óbvia, ao menos para aqueles que sabem minimamente sobre o assunto. O primeiro (óbivo) é o "Invictus" sobre o time de rugby da África do Sul no início do governo Mandela, o segundo é o "Distrito 9". Vi o primeiro esperando muito e encontrei pouco. Me frustrou a apresentação de uma visão estreita do Apartheid e suas consequências sociais... essa coisa da redenção pelo esporte me aborreceu um pouco. Mas também me desagradou a não-discussão a respeito da própria figura do Mandela, idolatrado por muitos,mas também muito criticado por outros...
Já o Distrito 9 me causou surpresa. Fui esperando bem pouco, um filme de ETs, África do Sul de fundo bla-bla-bla. Nada disso! crítica macabra ao confinamento dos negros durante regime de segregação.Abordagem contundente da relação entre brancos e negros metaforizada na relação humanos e aliens... emocionante.

Patricia disse...

Caramba, vi o Distrito 9 ontem a noite e concordo com a Taty. Com exceção do "emocionante" :)
O filme realmente vale a pena, aluguei naquele espírito de vamos ver uma baboseira enlatada de ets e me surpreendi.
Não é nada de genial, o início achei meio chato, devido as repetições de cenas, mas depois ele vai ganhando uma cara bem bacana.
A segregação dos aliens em favelas, a discriminação feitas por negros e não negros, a atuação brutal da polícia "pacificadora". Os analogismos foram bem feitos e os aliens estão muito maneiros!!

Fidel disse...

Distrito 9 é uma obra-prima!!! Eu acho o início muito melhor do que o meio/fim do filme.
No início é que fica explícito toda a brutalidade da segregação, do aparelho de Estado, da violência contra o diferente, os preconceitos absurdos, a dinâmica da máquina militar e política do Estado.

Do meio para o fim, o que mais me impressionou foi o afeto entre pai e filho alienígenas. Comovente.

Rê, belo post!!!

Felipe disse...

Olá Re....

muito legal o seu post viu. Quando estive lá me interessei muito pelo regime racista. Queria só fazer umas considerações. Posso estar errado (não puxa a minha orelha) mas vamos lá:

1- Quando vc fala do Ato da Terra cita que 8% das eram das populações africanas e 92% dos brancos. Importante deixar claro que os brancos (africaners), também são populações africanas, mas brancas. Uma coisa curiosa que fiquei sabendo em um museu lá da Cidade do Cabo, é que tanto os negros quanto os brancos são estrangeiros das terras que hoje é a África do Sul. As populações nativas da África do Sul é uma outra população que em geral tinham uma estatura baixa e uma cor próxima do que chamamos de mulato. Não eram os negros. Estes vieram posteriormente, assim como os brancos, já fruto do período colonial africano.

2- Distrito 9 (o filme que vcs falam) é uma alusão ao Distrix Six, uma área residencial no centro da Cidade do Cabo que ficou conhecida por causa dos 60 mil moradores que foram expulsos de lá na década de 1970. O museu que retrata essa época é muito bacana.

3- Putz! Que saudades disso ai. Eu vou voltar!!!

Beijos queridona.... nos trás mais da África viu!!!!´Tá demais!

Anônimo disse...

Eu sei do Distrito 6, Felipe! Por isso eu ter gostado ainda mais do filme!

Patricia disse...

Fidel, vamos lá...
O início do filme tem umas cenas ótimas, com uma câmera super viceral. Achei isso legal!
Mas depois, achei que se prolongaram um pouco nisso.
Só para esclarecer que não achei o início ruim, apenas um pouco cansativo.

Renata disse...

Oi Felipe,

não vou puxar a sua orelha não, mas vamos abrir o diálogo sobre o assunto. Por pontos:

1)Os Boer (Holandeses)que depois foram chamados de Afrikaners, não eram os únicos brancos residentes na região. Existiam também muitos ingleses. E tanto os Boer quanto os ingleses se consideravam europeus, e não africanos. O critério de auto proclamação é bastante relevante, especialmente nesse caso. Assim, o fato deles próprios se dizerem "europeus" é muito mais importante do que o fato de uma ou outroa geração já ter nascido em solo africano. Muitas das placas que mencionei se referiam a "europeus" e não a "brancos". Por exemplo, bancos em lugares públicos vinham com a placa "europeans only". Só os europeus poderiam sentar. E os europeus eram os inglses e os Boer.
2)Em 1867 se descobriram as primeiras minas de diamantes em Kimberley levando a um grande conflito entre os ingleses e Boer versus africanos negros. Existiam sim muitas populações africanas negras na região, organizadas não na forma do Estado Nacional mas em reinos. Já que não conseguiram explorar as reservas de diamantes nos solos ocupados por esses reinos, os brancos decidiram exterminar tais reinos. Foram primeiro nos reinos mais fortes: o Zulu e o Pedi. Uma vez derrotados em 1879, ou outros reinos foram caindo um a um. Essas derrotas sinalizaram o fim da independência africana sobre a região que depois seria a África do Sul.
3) A exploração do ouro e do diamante atriu sim muitos outros imigrantes (inclusive indianos) para a região. Mas, mais uma vez, a identidade "sul africana" dos brancos ainda não existia. Foi apenas com a guerra Anglo-Boer que essa identidade começou a mudar. A guerra entre eles fez milhares de Boer que estavam espalhados pelas terras da região se juntarem na guerrae finalmente criarem uma idéia de identidade nacional. As 4 colonias e republicas antes separadas deram origem à União da África do Sul em 1910.
4)O Ato de Terra é de 1913, muito antes ainda da institucionalização do Apartheid. È lançado para garantir a posse da terra para os brancos, expropriando sim a população africana e privilegiando a européia.
5) Para efeito de comparação: as gerações de portugueses nascidos no Brasil no período colonial não eram considerados brasileiros, mas sim portugueses. Da mesma maneira, demorou algum tempo (e especialmente a criação do Estado Sul Africano) para que aqueles brancos se auto proclamassem como africanos e sul africanos.
Continuaremos o diálogo...
E trarei muito mais desse continente, que mora aqui no meu coração.
Beijo!

Unknown disse...

O tema em si é muito interessante prima. Vi um filme documentário chamado `Mandela - Um grito de vitória` que narra a vida de Mandela desde sua infância até a presidência, passando pelos períodos em que foi advogado, se filiou ao CNA, organizou protestos, ficou preso, etc. Além disso, o filme é feito com filmagens e fotos da época muito boas, contendo também depoimentos de pessoas envolvidas com o apartheid.
Veja-o se puder!
Beijo do seu primo!

Renata disse...

Oi primo!
Seja bem vindo!
É uma história triste, mas o tema é muito interessante e tem que ser debatido.
Eu não conheço esse filme, mas vou procurar para ver. Valeu a dica!
Beijos e volte sempre!