Três meninas. Três histórias diferentes que se encontram. Três linhas distintas de pensamento, que se unem formando um maravilhoso mosaico de histórias, ideias e experiências. Encontram-se nas afinidades e completam-se nas diferenças, enlaçando-se nas alegrias e tropeços da vida. Escrevem aqui para celebrar, compartilhar e aprender. Para refletir sobre as experiências do passado, as inquietudes do presente e as incertezas do futuro. Nessa sucessão de encontros e desencontros, buscam entender melhor o mundo. Tudo isso regado por um pouco de geografia, política, arte e muito ziriguidum!

domingo, 7 de março de 2010

DA LAMA AO CAOS... MAIS UMA VEZ...


Ontem estava na Lapa, meu habitual reduto de boemia, com uns amigos no final da tarde tomando uma cerveja num dos poucos pé sujos que ainda resistem ao grotesco processo de revitalização do bairro, quando de repente o mundo caiu...

Um temporal amazônico resolveu desaguar na nossa cidade e a sensação que tive era de que a qualquer momento Noé apareceria com a sua barca para arrebanhar um casal de cada espécie e eu já estava com a minha senha nas mãos.
A barca não passou, mas num piscar de olhos, carros começaram a se deslocar, flutuando nas águas das ruas, caixotes, sacos plásticos, lixeiras e quase que o meu engradado de cerveja também se foi...
Sem ter muito o que fazer, pedi mais uma porção de trilha e pus-me a encher o engradado, por uma questão de segurança pública, é claro, seria menos um lixo boiando na cidade.
Após algumas horas a chuva passou e a água das ruas começou a baixar e finalmente pedimos a conta.
Saindo do bar e andando pelas alagadas ruas lapiana deparei-me com os estragos. Carros amassados, bares e restaurantes alagados, árvores tombadas, lixeiras arrastadas e um cheiro de esgoto horroroso.
Continuei a minha caminhada até chegar às portas do meu segundo lar “Clube dos Democráticos” e havia um bilhete que dizia:”Por causa do temporal não abriremos hoje”. Recado óbvio!! Ninguém conseguiria se locomover na cidade ontem a noite e foi a partir desse momento que presenciei duas cenas que causaram-me inquietudes e inspiraram-me a escrever este texto.
A primeira ocorreu na entrada do Democráticos. Enquanto ouvia o papo do Zé, o único garçom do Demo que conseguiu chegar depois de três horas e meia preso no trânsito entre Bonsucesso e a Lapa, observava a conversa ao telefone de uma pseudo cidadã que dizia enfurecida ao celular que não era para o amigo ir ao democráticos porque estava fechado. A criatura gritava no celular, “isso é um absurdo!”, “isso é uma falta de respeito com cliente”, blá, blá, blá...
Esse diálogo estava irritando-me profundamente, mas antes de mandar a criatura navegar no “rio Mem de Sá” que encontrava-se , bem ali, do outro lado da rua, para ela entender porque o lugar não ia abrir, resolvi sair de perto.
Entretanto, para minha surpresa, alguns metros depois, uma das pessoas que estava comigo encontra uma amiga de trabalho, que simplesmente repetiu a fala da acéfala da porta do Democráticos, com algumas doses de “nonsense” que vale a pena descrever:
“Oi tudo bem! Estou aqui puta da vida, porque marquei com a minha amiga de irmos no Brazooka comemorar o aniversário de uma outra amiga e depois de enfrentar essa chuva, cheguei no bar e simplesmente está fechado. ISSO É UM ABSURDO. Já mandei uma mensagem no twitter, reclamando sobre isso, a casa não pode fazer uma sacanagem dessa com o cliente.”
Neste momento, interrompi a louca para dizer:
“A casa não abriu certamente porque os funcionários não conseguiram chegar.”
A louca contra argumentou:
“Mas eu não cheguei? Peguei até um ônibus para chegar aqui...”
E eu respondi:
“Sim, mas certamente você não mora no subúrbio”
E ela respondeu:
“Ééé... Verdade...”
Mas continuou:
“Mas de qualquer maneira, a casa tinha que dar o seu jeito”
E terminou:
“Vou nessa... Vou lá ver o show do Otto...”
A minha vontade foi de responder:
“Vai... Vai lá... Aproveita e vai à M@#$% também...”
Concluindo, voltei pra casa indignada com o egoísmo das pessoas, com a capacidade que o ser humano tem de ser individualista ao extremo. Da falta de bom senso dessas criaturas de perceberem o mundo a sua volta.
Achei esse diálogo tão surreal, porque não era algo tão distante, as pessoas estavam ali, pisando na lama, vendo as ruas alagadas, sentiram na pele o caos da cidade, os seus perfumes importados não superavam o fedor dos águas sujas de esgoto e mesmo assim, cada indivíduo daquele não conseguia parar de pensar nele mesmo. No seu bem-estar pessoal. Na sua balada lapiana perdida.
Mesmo vendo que o universo carioca quase acabou em água ontem, esses seres exigiam os seus “direitos” de serem bem servidos nos recintos “a La zona sul” criados na Lapa. Não queriam saber dos inúmeros Zés que ficaram presos no trânsito alagado da cidade, dos vários outros Zés que estavam sendo soterrados pela lama da chuva e de tantos outros Zés, que sofriam com temporal apenas mais um caos dessa cidade segregada.

10 comentários:

Anônimo disse...

Triste era do "conformismo generelizado" para umas coisas... tipo a política. E do "umbiguismo generalizado" para tantas outras, como a cidade e o mundo em que vivemos... Ai, ai, por isso penso tanto sobre ter, ou não filhos...

Seu post é uma crítica persistente que mesmo com sua persistência parece não mudar um centímetro de nada. Impressionante!

Até quando vão achar que a revitalização da Lapa e da Zona Portuária é "ótima". Até quando vão achar que o pobre tem sempre que se F@#$%*&er para seu maior conforto, diversão e bem estar?

Eu não aguento, eu não aguentooooooooo!!

Aliás, dê uma olhadinha no Blog do chefe e me diz o que achou... Mas leia sentada, viu? hehehe

Livia Daflon disse...

Paty,
Passei o dia com uma" dor-de-corna" por ser tão pequena perto da natureza e dos estragos causados por ela. Ao mesmo tempo, sinto-me totalmente integrada ao seu ambiente, o que me deixa extremamente confusa. Esse contraste me enfurece cada vez mais e o seu relato me enfurece ao quadrado, ao perceber que existem pessoas cada vez mais voltadas para o próprio umbigo!! Enquanto você ouvia essas frases de baixo calão, eu tinha um conhecido perdendo a casa!!!Diante do cenário, agradeci aos céus por ele e sua família estarem bem e com VIDA, embora seja um trauma perder, do dia para a noite, todo o fruto de conquistas, dificuldades, apertos e merecimento. Gente digna, sabe? Honesta...Que luta, batalha e corre atrás e não desanima com as dificuldades que a vida frequentemente proporciona!
Andar em cima de um salto é fácil! Quero ver tirar essa onda em cima de um par de galochas Alpargatas! Morar na Zona Sul é mole, mas se quer ver realidade, conheça a beira de um rio que abriga casebres à sua margem. Reclamar que as casas da Lapa não abriram num dia como o de ontem é obrigação. Difícil e lastimável é abrir as portas da própria casa e não encontrar mais luz.

Bjs e desculpa pelo desabafo!

Patricia disse...

Não precisa desculpar-se minha flor!!
Inaugurastes o nosso blog com chave de ouro!! Bonito comentário!
E nós já estamos acostumados com os nossos amigos que elaboram "comentários-posts"... Rsrsrsrsrs...
Esse povo tem muito o que falar e "as meninas" gostam disso!!!
Por isso, podem soltar o verbo!!

Lu e Nina disse...

oi Patricia aqui é a Nina irmã da Rê.
Nossa é incrivelmente incrivel como tem certas pessoas, que não pensam que existem otras pessoas do seu lado em outras condição e que não são seus escravos.
Amei o texto
bj
Nina.

tatiana disse...

Nossa! Como a Nina está grande e esperta! Quero revê-la!! Beijos!

Renata disse...

Ninoca, seja bem vinda!
É uma honra ter você como nossa leitora e seguidora!
Tomara que você goste dos nossos textos e participe bastante.
Um dia você podia até ser uma convidada especial e escrever um textinho aqui pro blog, né?
Um beijo!

Patricia disse...

Oi minha linda!!!
Bom vê-la por aqui!!!
Seja muitíssimo bem vinda no nosso blog!!!
Que bom que você gostou do texto!! Fico feliz :)
Mas o que me deixa mais feliz e saber que existem jovens como você que pensam diferente e apesar da pouca idade, tem mais sensibilidade e consciência que muitos adultos!
Isso nos dá uma certa esperança!
Apareça sempre!!
Bjs

Juliana (A Tuca!) disse...

O mundo desabou aquele dia... É verdade!
Mas o shopping tava lotadaço!
Tipo Casas Bahia em dia de queima geral do estoque...

Uns com muito, outros com nada.

Unknown disse...

É Patrícia,
tristeza....... pela indiferença das pessoas aos problemas comuns ao todo. Tudo sempre foi assim para as pessoas que têm como COMPRAR.
Infelizmente, a estas pessoas, também não intertessa cobrar por melhoras coletivas, tudo para elas pode ser COMPRADO. Inclusive um passeio a um PITORESCO bar na Lapa, onde podem fingir que são pessoas deprovidas de preconceitos contra as raças, cores... entre outros. E ANIDA SE DIVERTEM!!!

Patricia disse...

É tia Ruth... Tristeza²
Só não podemos perder a capacidade de nos indignarmos...
Isso nos torna diferente! :)