Três meninas. Três histórias diferentes que se encontram. Três linhas distintas de pensamento, que se unem formando um maravilhoso mosaico de histórias, ideias e experiências. Encontram-se nas afinidades e completam-se nas diferenças, enlaçando-se nas alegrias e tropeços da vida. Escrevem aqui para celebrar, compartilhar e aprender. Para refletir sobre as experiências do passado, as inquietudes do presente e as incertezas do futuro. Nessa sucessão de encontros e desencontros, buscam entender melhor o mundo. Tudo isso regado por um pouco de geografia, política, arte e muito ziriguidum!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A doutrina do choque

As chuvas nos últimos dias devastaram o Rio de Janeiro. Estado de calamidade, emergência, caos. Esse foi o cenário. As principais vias foram interrompidas, transitar pelas ruas era impossível. A população não conseguiu chegar em casa depois do trabalho, não conseguiu chegar ao trabalho no dia seguinte, aviões não pousaram nem decolaram, muitos atrasos e cancelamentos. Bagunçou a vida de muita gente.
Mas o pior foram os inúmeros deslizamentos soterrando casas e pessoas e deixando centenas de mortos. E, diante de tamanha tragédia, me chocou a reação do governador Sérgio Cabral. O governador do Estado do Rio de Janeiro responsabilizou a própria população que mora nas encostas e áreas de risco pela desgraça que se abateu sobre elas. São ocupações ilegais, irregulares, em área de encosta e situação de risco, elas não deviam estar lá... o poder público avisa, tenta removê-las, tenta impedir novas construções, mas elas insistem...
Fiquei pasma ouvindo a declaração dele ao vivo na TV. Será mesmo governador? Será que alguém mora sobre um antigo lixão porque gosta? Será que alguém mora no alto de um morro, sem acesso aos serviços básicos de abastecimento de água, esgoto e recolhimento de lixo porque prefere? Será que alguém faz essa opção porque tem muitas outras ótimas opções?
Eu já estava suficientemente irritada com essa declaração, quando então veio a cereja do sundae: nosso querido governador disse que como um governante responsável, não poderia mais fechar os olhos para essa situação. Mais do que nunca, os muros ao redor das favelas são necessários. Os muros são para proteger a população. Os muros impedem que a população construa suas casas em áreas de encosta e se coloquem em situação de risco. Quem criticou os muros dizendo que era o muro de Berlim, o muro da Palestina, agora tem que engolir. O muro vai evitar outras tragédias como essa.
Ãhn??? Hein??? Pois é... foi isso mesmo. Sérgio Cabral e sua turma vão usar a dor alheia, a tragédia das pessoas, a perda dessas vidas, para justificar a construção de milhares de quilômetros de muros ao redor das favelas no Rio. Seguramente, será seguido por outros justificando políticas de remoção pelo mesmo motivo.
Isso me remeteu ao livro que estou lendo agora: "A doutrina do choque: ascenção do capitalismo de desastre" da Naomi Klein. O livro é intressantíssimo. A autora mostra como as crises (as mais diversas, causadas ou não por fenômenos naturais) são utilizadas como pretexto para impor políticas que não conseguiriam ser impostas em tempos normais de estabilidade.
Pois é isso aí... vamos assistir aos nossos governantes usarem o desastre das chuvas no Rio para avançar com força na construção de muros e políticas de remoção. Um absurdo...
E, é válido lembrar, o discurso inicial do governo do Estado para justificar os muros já era falho. O argumento era a necessidade de conter a expansão das moradias irregulares em área de vegetação. Mas as favelas escolhidas para serem muradas foram as que menos cresceram na última década e, muito interessante, são todas na Zona Sul. Segundo o Instituto Pereira Passos, a área ocupada por favelas na capital subiu 6,88% entre 1999 e 2008. As favelas escolhidas para o projeto do muro cresceram apenas 1,18%, muito abaixo da média. E no Dona Marta houve um decréscimo da área ocupada.... sim, houve uma redução de 0,99% no terreno ocupado.
Muros de três metros de altura rodeando favelas na Zona Sul do Rio de Janeiro não são nem para preservar a vegetação de mata atlântica nem para prevenir deslizamentos e poupar vidas humanas. Esses muros são para isolar as áreas indesejáveis com as quais a elite tanto se incomoda, mas das quais não consegue se livrar.
O muro do Sérgio Cabral vai marcar definitivamente a segregação social e espacial no tecido urbano do Rio de Janeiro, cicatrizes no corpo da cidade maravilhosa.
Vamos dizer não à segregação! Não ao muro! Chega de nos empurrar essas políticas podres goela abaixo e degustar nosso fígado depois.

3 comentários:

Patricia disse...

Ótimo texto menina!! :)
Definitivamente não dá para aturar o Sérgio Cabral!!
Também fiquei irritada com essas declarações dele. Na realidade ele me irrita!!
A chuva levou tanta coisa do Rio, poderia levá-lo também...
O problema é que as águas da chuva passam, mas esse infeliz permanece!!

Patricia disse...

O mais curiosos meu povo é percebermos que o nosso governador CHOROU quando o Rio perdeu os royalties do petróleo, mas alguém viu ele verter alguma lágrima pelos 200 mortos nas chuvas?
EU NÃO VI!!!

Henri disse...

Ótimo texto, Rê!
Tenho uns amigos que dizem que no PSN (Partido Sem Noção) todo dia tem corrida para ver quem é eleito o presidente do partido. Sérgio Cabral se esforça arduamente para isso, hein?! É SURREAL a idéia de colocar muros ao redor das favelas! Surreal ele falar nessa besteira de novo num momento triste como esse. Surreal ele responsabilizar a população...Surreal, surreal, surreal!!
Affff...