Três meninas. Três histórias diferentes que se encontram. Três linhas distintas de pensamento, que se unem formando um maravilhoso mosaico de histórias, ideias e experiências. Encontram-se nas afinidades e completam-se nas diferenças, enlaçando-se nas alegrias e tropeços da vida. Escrevem aqui para celebrar, compartilhar e aprender. Para refletir sobre as experiências do passado, as inquietudes do presente e as incertezas do futuro. Nessa sucessão de encontros e desencontros, buscam entender melhor o mundo. Tudo isso regado por um pouco de geografia, política, arte e muito ziriguidum!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O que está por trás do voto de cada um OU o que é consciência de voto OU o artigo da demissão de Maria Rita Kehl OU onde está mesmo a censura?

Maria Rita Kehl era colunista do jornal O Estado de São Paulo. Foi demitida nesta quinta-feira por causa desse artigo que escreveu. Reproduzo o artigo aqui, não apenas por não concordar com a demissão, mas acima de tudo, porque acho que o conteúdo do artigo alimenta com qualidade a discussão sobre o debate político das eleições desse ano. 

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

7 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto, só reforça o meu anterior sobre a obrigatoriedade do voto! hahaha
"Acumulação primitiva de democracia"... perfeito! É isso!

Fidel disse...

Texto muito bom. Aguentar esses reaças reclamando que "ninguém mais quer ser caseiro, porteiro para ficar vivendo de esmola" é foda!! Eles acham que a pessoa não referenciais de dignidade; vivem alardeando sobre a "liberdade de escolha", mas quando o cara escolhe não trabalhar por uma merreca ele é chamado de preguiçoso, quando se submete à exploração é um "trabalhador honesto".

Felipe disse...

ai...tá ai! O que disse num post anterior. Hoje desqualificar o voto do mais pobre imaginando que existe ingenuidade ou burrice na escolha não ajuda a explicar o que vem acontecendo. Óbvio que não estou dizendo que que o povo é politizado. Não o é.

Patricia disse...

Lipe, mais uma vez você não entendeu o que foi dito. Ao dizer q o voto obrigatório num pais como o nosso com um povo sem uma consciência política é problemático, não quis colocar que o povo é burro e não sabe escolher. Quis dizer que quando se obriga a votar, quem NÃO quer votar faz a urna de lixao e utiliza o seu voto como uma brincadeira ou uma escolha leviana. 'ah... Vou votar no fulano porque minha filha mandou' essa fala é tão comum, ou seja, como m voto é obrigatório e eu TENHO que votar em alguém peço indicações. Isso eu acho uma M... Agora isso não quer dizer que o TODO o povo faça isso. E o voto facultativo não excluiria o povo que QUER VOTAR de votar. Porque esse povo, certo ou errado, quer escolher alguém, quer participar do processo, porque sabe que tem consequencias! Enfim... É isso... Rê, gostei do texto. Fidel, você agora apoia o 'bolsa esmola'? Quando eu digo que no fundo nós concordamos! Hehe... Beijos meus queridos.

Felipe disse...

Paty, sou capaz de fazer uma aposta: se instituir hoje o voto facultativo, quem nao iria votar seria em grande parte a Classe Media (principalmente osm ais alienados dessa classe).

Como ja falei em um post anterior: o voto, obrigatorio ou nao, para o grande povao faz parte de uma estrategia de vida. Ja faz parte da logica da vida dessas pessoas. Esse eh o unico momento que sua voz eh ouvida por quem quer seus votos. E ai, eles fazem questao de procurar ver como pode se aproveitar desse momento.

Pra mim, a questao do voto nao eh o tema mais importante pra mim. Outras coisas precisam ser mudadas antes.

Felipe disse...

Nossa Paty, quando vc falou que eu nao entendi o que foi dito e veio falando de voto obrigatorio eu fiquei ate confuso. Pensando se o texto tinha ou nao falado sobre voto obrigatorio. Ate li de novo.

Isso ta virando ideia fixa hein!!!! hehehehhe

Patricia disse...

Hahahaha...
Não é isso queridão!!
É que quando você falou que disse num post anterior que "Hoje desqualificar o voto do mais pobre imaginando que existe ingenuidade ou burrice na escolha não ajuda a explicar" eu só quis lembrar mais uma vez que não disse que o povo é burro naquele contexto. E expliquei, brevemente, o que estava pontuando.
Foi isso...
Mas podemos também dizer que eu "ESTOU TE EXPLICANDO PRA TE CONFUNDIR, ESTOU TE CONFUNDINDO PARA ESCLARECER..."
Hahahahahaha...