Três meninas. Três histórias diferentes que se encontram. Três linhas distintas de pensamento, que se unem formando um maravilhoso mosaico de histórias, ideias e experiências. Encontram-se nas afinidades e completam-se nas diferenças, enlaçando-se nas alegrias e tropeços da vida. Escrevem aqui para celebrar, compartilhar e aprender. Para refletir sobre as experiências do passado, as inquietudes do presente e as incertezas do futuro. Nessa sucessão de encontros e desencontros, buscam entender melhor o mundo. Tudo isso regado por um pouco de geografia, política, arte e muito ziriguidum!

terça-feira, 17 de maio de 2011

Ujamaa, o Socialismo Africano


Ainda no embalo da minha viagem à Tanzânia, gostaria de compartilhar - ainda que superficialmente - coisas que aprendi e descobri durante minha estadia por lá. 

Descobri que o nome do país, Tanzânia, é resultado da junção de Tanganica e Zanzibar, o nome dos Estados que se uniram formando o novo país.

A união política entre Tanganica e Zanzibar foi liderada por Julius Nyerere, líder político de Tanganica. Nyerere liderou o processo de independência de Tanganica da Grã Bretanha e se tornou o primeiro presidente do território independente em 1962. Dois anos depois, a união dos dois territórios formou a Tanzania.

Nyerere ficou no poder até 1985 e durante este período implementou o que ele chamou de Ujamaa, ou o Socialismo Africano. Ujamaa em KiSwahili significa "família" ou "unidade".

Em um documento chamado a Declaração de Arusha (a cidade onde eu estava!), Nyerere desenvolve as idéias em torno de sua visão do socialismo e da proposta de um modelo de desenvolvimento para a África que seriam as bases do Socialismo Africano.

Um dos princípios básicos vem da idéia de que "uma pessoa se torna uma pessoa através do povo ou da comunidade", ou em outras palavras "eu sou porque nós somos". Essa idéia está presente em diversos contos e histórias da região. Uma delas, eu ouvi enquanto estive lá.

É a história de um homem branco que ao chegar em uma comunidade decide propor uma brincadeira às crianças. Ele pega um cesto cheio de doces e coloca ao pé de uma árvore e propõe às crianças que apostem corrida até a árvore. Quem chegasse primeiro ganharia todos os doces. As crianças então se colocaram em fila aguardando o sinal de início da corrida. Quando o homem deu o sinal, as crianças deram-se as mãos e correram todas juntas em direção à arvore e o cesto de doces. Chegando lá, compartiram os doces entre todos. O homem, não entendendo aquela situação, foi perguntar às crianças porque tinham feito isso, sabendo que poderiam ter corrido individualmente para conseguir ganhar o pote todo de doce. Uma das crianças então explicou: "Não quero ganhar todos os doces se todos os outros vão ficar sem nenhum. Eu quero ter doces se eles tiverem também. Eu quero que todos nós tenhamos doces". Eu sou, porque nós somos. 

A visão do Socialismo Africano foi abandonada pelos sucessores de Nyerere depois que ele deixou o poder, mas ainda está forte nas idéias de muita gente na Tanzânia e na África.

Nyerere apoiou diversos grupos que lutavam contra a colonização na África, entre eles a FRELIMO, Frente Nacional pela Libertação de Moçambique que lutava contra a ocupação portuguesa. Teve um papel importante na política regional nesse momento de descolonização e independência.

Atualmente, quando se faz evidente que os ajustes estruturais impostos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para os países africanos falharam em promover o desenvolvimento econômico e melhores condições de vida, há às vezes uma certa nostalgia no discurso de muitas pessoas em relação a esse período pós colonial de experiências socialistas. Na Tanzânia foi com Julius Nyerere, na Zambia com Keneth Kaunda, e por aí vai...

Outro dia, assisti uma entrevista com o Slavoj Zizek onde ele argumentava que onde governos de esquerda falharam gravemente, em geral, se abriu uma porta para a extrema direita e movimentos ultra conservadores. Seria muito bom se o contrário também fosse válido: onde o capitalismo e o neoliberalismo falharam, abre-se espaço para movimentos de esquerda e de promoção da igualdade e da justiça social. O capitalismo falhou na África. O que virá depois?

6 comentários:

Tati disse...

Muito bom, Rê!
Você leu aquele e-mail que eu mandei na semana passada com título "Ubuntu"? Então, recebi do CW e falava exatamente disso, inclusive da história da cestas de doces... Há uma relação? O nome da comunidade é Ubuntu, mesmo?
Eu sabia da antiga Tanganica, colônia britânica, mas não da união com Zanzibar e do princípio político... bacana! Vou complementar minhas aulas de África para o semestre que vem...

Beijocas!

Vamos marcar nosso encontro??

Eduardo Andrade disse...

Gostei!

Henri disse...

Lindo post, Rê!
Já tinha lido a história das crianças e adorado. Muito bom saber de onde vem.
Beijos

Patricia disse...

UBUNTU!! Adorei isso!! :)
Temos que nos encontrar amiga!!
Muitas histórias... Que saber de todas!! :)

Renata disse...

Tati, essa história é bastante conhecida, mas eu não conhecia o nome "Ubuntu". Aliás, "Ubuntu" não é o nome do software livre, do sistema operacional do Linux? Vai ver eles escolheram o nome por causa dessa história.

Eduardo! Seja bem-vindo! Que bom que vc gostou do post! Um post sobre socialismo africano que agradou vc, já é um bom sinal :)

Paty e Henri, tem taaaantas histórias pra contar... pena que o tempo não é suficiente. 24h por dia é muito pouco! Temos que nos encontrar mesmo! Pessoalmente é muito mais legal ;)

Daniel Farina disse...

Se hoje em dia, mesmo após a crise, o mainstream econômico continua sendo liberal, imaginem como é complicado falar de socialismo como proposta real hehehe
E até onde eu me lembre o próprio Marx disse que o socialismo deveria suceder o capitalismo em lugares com um certo avanço econômico-industrial, o que não aconteceu no socialismo real (que acabou falhando), e que não vem a ser o caso da África.