O remédio para Doença de Chagas é produzido por um único país no mundo: o
Brasil. A responsabilidade foi assumida pelo governo brasileiro com a população
mundial, em uma das ações estratégicas para reforçar a liderança do país no
continente e sua vocação de potência emergente. Na semana passada, a organização
internacional humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou que, por negligência, o Ministério da Saúde
do Brasil atrasou a remessa de remédios, colocando em risco a vida de milhares
de pacientes e paralisando os projetos de combate à doença.
A denúncia passou quase despercebida. Ganhou muito menos destaque na imprensa
do que sua relevância exigiria, numa semana em que o grande tema midiático da
saúde foi a proibição dos inibidores de apetite pela Anvisa. Levanto a questão
porque a invisibilidade é, de fato, o que tem matado milhões de pessoas no mundo
inteiro, vítimas das chamadas “doenças negligenciadas”, como Chagas. E o que são
doenças negligenciadas? São aquelas que a indústria farmacêutica não tem
interesse em pesquisar a cura porque atingem a parcela mais pobre dos países
mais miseráveis do mundo. Ou seja: seu tratamento não dá dinheiro. E são aquelas
que parte da imprensa opta por deixar para o canto da página ou para página
nenhuma porque não atingem as pessoas que compram jornais. E é assim que parte
da população mundial – sempre a mesma parte – morre: porque a vida de uns vale
menos que a de outros. E nós todos somos cúmplices dessa lógica quando viramos a
página porque a notícia não diz respeito ao nosso umbigo. Notícia, como sabemos,
não tem natureza. “O quê” e “quem é notícia” são escolhas políticas e
socioeconômicas com consequências na vida de todos, mas principalmente na vida
dos mesmos de sempre.
Trecho do texto "A negligência que mata" de Eliane Brum publicado aqui.
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