“Bilhões de dólares foram gastos em estádios e outras obras, mas nós
permanecemos em barracos sem energia. Eles pediram para a gente “sentir a Copa”
[expressão usada no slogan oficial do evento], mas nós não sentimos nada além da
dor da pobreza piorada pela dor da repressão. O dinheiro que deveria ser gasto
urbanizando as comunidades mais pobres foi desperdiçado. A Copa do Mundo vai
terminar no domingo e nós ainda seremos pobres.”
Essa foi a fala do Landless People Movement da África do Sul durante a Copa do Mundo de 2010.
Reflete o sentimento de muitos sul-africanos em relação ao evento.
Eu estive na África do Sul alguns meses antes do início da Copa. Encontrei um
país em obras e muita gente reclamando. Mas, quando os jogos começam, os
problemas costumam ser esquecidos. Passada a euforia do momento, começam as
discussões sobre os impactos do evento, o uso dos recursos, quem se beneficiou
realmente… e por aí vai.
Essa discussão não termina, porque acaba emendando nas discussões daqueles
que já estão preocupados com o futuro das suas cidades que serão sede das
próximas Copas e Olimpíadas. Já existem muitas informações disponíveis e que
merecem atenção.
Em 2010, as Nações Unidas lançaram um relatório sobre o impacto das
Olimpíadas nas cidades-sede. Os números são chocantes. Seul (1988): 15% da
população foi desalojada, 48 mil edifícios foram destruídos. Pequim (2008): Um
milhão e meio de pessoas foram removidas. Atlanta (1996): 15 mil pessoas
removidas. E essas remoções e despejos, na maior parte das vezes, foram feitos
de forma violenta e desrespeitando direitos básicos da população.
Além do impacto direto das obras e de como elas são feitas, também há o ponto
importante de quem realmente se beneficia com a realização destes eventos. Na
África do Sul, por exemplo, muitos homens e mulheres artesãos, comerciantes,
vendedores, trabalhadores, etc, acreditaram que poderiam se beneficiar e
aumentar um pouco sua renda durante os jogos. Mas não foi assim. Os pequenos
comerciantes e artesãos não tiveram acesso aos estádios e arredores. Um
perímetro de exclusividade foi criado ao redor dos estádios. Ali, apenas as
grandes redes e marcas poderiam comercializar seus produtos. Resultado: quem
lucrou foram as grandes empresas, não os sul africanos.
E falando em estádio… hoje, apenas um ano depois da Copa, já se discute na
África do Sul a demolição de alguns dos estádios construídos. O custo da
manutenção é alto demais, não justifica manter o “elefante branco” em pé.
E o que falar dos gastos? A Copa da África do Sul acabou custando 17 vezes
mais do que o previsto inicialmente. Cidades que foram sede de mega eventos se
endividaram além de suas capacidades e passaram muitos anos pagando a conta. È o
caso de Atenas (2004) e Montreal (1976) que sediaram os Jogos Olímpicos.
Quanto mais investigamos, mais vemos cenários desanimadores. Mas, como disse
o cientista político Antonio Gramsci, não devemos ficar apenas no pessimismo da
razão. Devemos ter o otimismo da vontade.
O otimismo da minha vontade diz que é possível trilhar outros caminhos em que
a realização de megaeventos esportivos promova inclusão social, gere renda e
diminua desigualdades. Mas o caminho que leva a esse legado é o caminho da
participação popular, da transparência, do controle social sobre as políticas e
uso de recursos públicos.
O Brasil e o Rio de Janeiro podem aprender muito com outras experiências e
escolher um caminho melhor para a realização da Copa do Mundo em 2014 e das
Olimpíadas em 2016.
Texto publicado originalmente no dia 01 de Outubro no blog Mulher 7 por 7
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